O que leva os "homens de Deus" a pegar em armas e lutar? A lutar, segundo o lema monárquico, por Deus, pela Pátria e pelo Rei! E o que leva um homem a manter-se fiel até ao fim da sua vida pelos seus ideais e nada, nem ninguém o demovendo, apesar das agruras que tudo isso trouxe a si e à sua família?
Esta é história da Revolta dos Padres durante as incursões monárquicas e de um dos seus líderes mais carismáticos, o padre Domingos Pereira.
"Ó Pátria, Ó Rei, Ó Povo,
Ama a tua Religião
Observa e guarda sempre
Divinal Constituição
Viva, viva ó Rei
Viva a Santa Religião
Vivam Lusos Valorosos
A feliz Constituição (...)"
Esta é história da Revolta dos Padres durante as incursões monárquicas e de um dos seus líderes mais carismáticos, o padre Domingos Pereira.
"Ó Pátria, Ó Rei, Ó Povo,
Ama a tua Religião
Observa e guarda sempre
Divinal Constituição
Viva, viva ó Rei
Viva a Santa Religião
Vivam Lusos Valorosos
A feliz Constituição (...)"
Assim começa o Hymno da Carta, escrito por D. Pedro IV e hino nacional de 1834 até 1910, o derradeiro fim de quase 800 anos de monarquia. E assim começa também esta história, no dia 5 de outubro de 1910...
Pelas 11 horas da manhã após um golpe militar é hasteada a bandeira verde e vermelha nos Paços do Concelho de Lisboa e proclamada a República. À tarde, a família Real que se havia refugiado no Palácio de Mafra desloca-se para a praia da Ericeira, onde a bordo do iate real Amélia, parte para o forçado exílio, rumo a Gibraltar. Nele seguem o último rei de Portugal, D. Manuel II, a sua mãe a rainha D. Amélia, a sua avó a rainha D. Maria Pia e o seu tio o infante D. Afonso. Apenas D. Amélia voltaria a Portugal 35 anos depois! D. Manuel II voltaria antes, em 1932... Mas desta vez morto, com autorização de Salazar para ser sepultado no Panteão Real da Dinastia de Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.
No dia seguinte à implantação da República, muitos foram os que se tornaram de repente republicanos... Há que dançar conforme a música, já diz o ditado! No entanto apesar do novo regime ser aceite com relativa passividade, principalmente nas grandes cidades, muitas foram as tentativas para restaurar a Monarquia e perturbar os planos da República. E a encabeçar os agora chamados "revoltosos" e "realistas" estava o líder Paiva Couceiro. E no meio de tantos novos "fora-da-lei" estavam nada mais, nada menos do que muitos PADRES!
Os sacerdotes, que haviam jurado dedicar a sua vida a Deus e a bem do próximo, resolveram juntar-se em jeito de cruzada contra os novos infiéis e inimigos da Santa Religião, os republicanos! Amadurecidas no seio das Lojas Maçónicas e da Carbonária, já vinham de longe as intenções de mais uma vez quebrar a Igreja, que no final da monarquia dispunha de uma situação relativamente privilegiada, apesar de estar bastante subjugada ao Estado. E claro, assim que mudou o regime, os republicanos iniciaram a perseguição!
Não será pois de estranhar que muitos padres se recusem a seguir as imposições e os novos rumos republicanos, passando ora a lutar na sombra ora a despir as batinas e a pegar em armas.
E é aqui que entra o protagonista desta história, um padre que em 1911 já não o era, Domingos Pereira!
Mas recuemos uns bons anos atrás...
A 9 de agosto de 1862, às 9 horas da manhã, em Vilarinho de Negrões, freguesia de Negrões e concelho de Montalegre, nascia Domingos, filho dos lavradores António Pereira e Luísa Gonçalves Carreira. O seu padrinho foi o tio materno, João Albino Gonçalves Carreira, pároco de Refojos, em Cabeceiras de Basto. A longa tradição de haver vários sacerdotes na família materna ditou o destino de Domingos e do seu irmão Manuel, ao ingressarem no Seminário de Braga para seguirem a vida eclesiástica.
Em 1886, aos 24 anos, já era padre e por influência do tio foi para pároco de Outeiro, em Cabeceiras de Basto. O tio devia gostar de ter a família por perto, pois o irmão Manuel e José Maria também foram morar para lá. Manuel também se ordenou sacerdote e José Maria optou pela vida laica e tornou-se funcionário público.
Naquele tempo, não é que hoje em dia não aconteça, a religião misturava-se com a política, e o jovem padre Domingos era um fervoroso militante do partido Regenerador, um dos partidos do rotativismo da monarquia constitucional. Já o seu tio padre era da oposição, o partido Progressista... E este despique partidário não deu bons resultados! O tio tentou a toda a força que ele se tornasse militante do seu partido, pedindo até ajuda ao Arcebispo de Braga, D. Manuel Baptista da Cunha para o convencer. Mas a ameaça velada de o desterrar para a paróquia isolada de Lamares, em Vila Real não o fez vergar! Naquele momento o padre Domingos bate o pé e prefere deixar de ser padre, já que a vocação não seria muita, a trair os seus ideais terrenos. Venceu a política!
Com o cabeção e a batina de lado dedica-se ao ensino no Liceu da Cabeceiras de Basto, dando aulas de História, Geografia, Português e Latim. E como militante ativo do seu partido do coração assume lugares de Administrador do Concelho em Cabeceiras de Basto e Fafe, consoante o partido Regenerador estava no poder ou não!
E quebrados os votos sacerdotais, apesar de nunca os ter resignado oficialmente, são também quebrados os votos de celibato! O padre Domingos passa a viver maritalmente com Valentina da Conceição Sousa, natural de Pedraça, em Cabeceiras de Basto, e afilhada de Manuel Joaquim Rebelo de Sousa, bisavô do atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, segundo testemunho familiar, Valentina pertenceria também a esta família. Curiosas estas ligações indiretas e improváveis entre pessoas ligadas à Monarquia e à República! E sucedem-se os filhos... Bem, dois já eram nascidos desta relação, uma rapariga Clotilde e um rapaz, o José. Depois vieram mais duas raparigas, a Júlia e a Laura e dois rapazes, o Alberto e o Carlos.
Mas a calma da sua nova vida civil é quebrada com o implantação da República. Nunca poderia aceitar tal regime, era monárquico convicto e apesar de já não exercer o sacerdócio era crente e reconhecia os duros golpes que estavam a ser infligidos contra a Santa Religião. E assim tornou-se um dos muitos resistentes!
Mas voltemos ao protagonista, o padre Domingos... A sua fama de resistente monárquico havia levado a que Paiva Couceiro, que ainda não o conhecia pessoalmente, o contactasse pedindo a sua colaboração com 400 homens para uma 2ª incursão que estava a ser preparada para o inicio de julho. O padre Domingos aceitou logo... Deveria comandar a invasão em Cabeceiras de Basto.
A ideia de Paiva Couceiro era tomar Valença e Chaves e esperar que a revolta se alastrasse como um rastilho por todo o norte, tido como monárquico, principalmente as zonas mais rurais que ao longo dos anos tinham estado debaixo do sagrado manto da Igreja devido à influência dos padres nas suas aldeias. A invasão passaria a fronteira por Vila Verde da Raia, visto que estavam exilados na Galiza. Tinham de avançar depressa pois o governo espanhol havia lhes dado um ultimato, ou avançavam com a revolta ou eram expulsos do país. Espanha tinha uma posição dúbia, por um lado apoiava os monárquicos portugueses, porque tinham como soberano um rei, Afonso XIII, e por outro queria ser neutra para não entrar em conflito diplomático com o novo governo republicano português.
Mas o padre Domingos precisava de treinar os seus homens, habituados unicamente a tiros de caçadeira. Como faria para explicar os tiros que se iam ouvir? Como mente brilhante que era lembrou-se de lançar a ideia de um concurso de tiro aos pombos, assim podia explicar o treino e os ruidosos tiros! O Administrador do Concelho, ingenuamente, havia logo concordado com a curiosa ideia que achava que ia trazer alguma vida social ao marasmo de Cabeceiras de Basto. Nunca lhe deve ter passado pela mais pequena ideia o que iria acontecer. Nem tão pouco ao Presidente da Câmara que decidiu viajar. Aliás a apreensão de armamento em Cabeceiras, no dia 5 de julho, não levantou suspeitas! Se calhar achavam que os pombos eram tantos...
Os padres da região uniram-se! O padre Domingos tinha o apoio dos párocos de Riodouro, o padre António Barroso Leite, de Painzela, o padre José Pina, e de Bucos, o abade Manuel Leite Araújo. Este último escondia até dezenas de espingardas Mauser atrás do altar-mor!
A revolta alastra para os concelhos vizinhos... Entretanto em Celorico de Basto, o padre de Molares, Francisco de Almeida Barreto, manda tocar os sinos a rebate incitando a população a revoltar-se e a deter o Administrador do Concelho de Celorico, António Rodrigues Salgado. A bandeira monárquica é hasteada e por pouco o Administrador não é fuzilado! Enquanto isso, para animar o povo, sob um calor tórrido, a prima do padre distribuía uns bagaços pelos "revoltosos". Típico! O que interessa é animar a malta...
Finalmente no dia 7 de julho, num soalheiro e quente domingo, perante uma multidão o padre Domingos proclama a monarquia hasteando a real bandeira nos Paços do Concelho de Cabeceiras de Basto.
Durante 4 dias a vila esteve nas mãos dos padres "revoltosos" repelindo as tentativas das tropas republicanas para retomar o controlo do poder.
Mas quando o padre Domingos sabe do falhanço de Paiva Couceiro em Chaves e após Celorico de Basto e Fafe já terem sido tomadas pelos republicanos, decide abandonar a vila e refugiar-se nos montes vizinhos, na Borralha, em Salto, Montalegre. Ao saber que Paiva Couceiro havia recuado para a Galiza, manda dispersar as suas tropas. Quando os republicanos chegam a vila de Cabeceiras de Basto está deserta! As tropas republicanas dirigidas pelo comandante Sarsfield Cabral decidem ficar acampadas na praça.
Os soldados e alguns populares, como retaliação decidem incendiar a casa do padre Domingos e do irmão, o padre Manuel, no lugar da Raposeira. A mulher e os filhos ao verem as tropas a aproximarem-se fogem e escondem-se nos campos. Ao longe vêem as altas labaredas e os uivos desesperados dos seus cães a serem consumidos pelas chamas. Não houve clemência! A família escapou andado fugida durante dois dias e duas noites, dormindo ao relento onde calhava. Alberto, o filho mais novo do padre, tinha apenas um ano...
Mas os incendiários não pararam por aqui. Queimaram ainda a casa do secretário do padre Domingos, em S. Nicolau, a capela do cemitério e a casa de um comerciante que havia supostamente envenenado o vinho que as tropas republicanas beberam! Na verdade as tropas assaltaram a taberna, pois ninguém na vila lhes dava mantimentos, e eles "de língua de fora" devido ao bacalhau salgado das suas provisões, resolveram matar a sede na pipa que fora envenenada antes da sua chegada!
O padre Domingos assistiu a tudo de perto, escondido com dez dos seus fiéis homens. Fica em Cabeceiras até às vésperas de Santiago, no dia 24 de julho, altura em que como tem a cabeça a prémio pela exorbitante quantia de 10 contos de réis, resolve fugir para a Galiza e juntar-se a Paiva Couceiro, onde finalmente o conhece pessoalmente.
Foram detidas 45 pessoas, alegadamente conspiradores e revoltosos. As casas dos simpatizantes monárquicos foram invadidas e destruído o mobiliário. Os conspiradores são levados a tribunal de guerra. O padre Domingos é julgado à revelia e condenado a 20 anos de prisão.
Entretanto como Espanha, mais uma vez, não quer problemas com Portugal coloca entraves à permanência dos monárquicos portugueses. O padre Domingos decide assim partir para o Brasil juntamente com mais 50 exilados no dia 1 de setembro de 1912 no paquete Tucuman. Mas por lá não fica muito tempo e regressa a Espanha.
Em 1919 dá-se a 3º incursão monárquica que levou à "Monarquia do Norte" proclamada a 19 de janeiro. O padre Domingos, como não podia deixar de ser, adere à revolta e ajuda a tomar Vila Real, hasteando a bandeira azul e branca a 25 de janeiro. Mas foi "sol de pouca dura" e falhou mais uma vez! Os monárquicos novamente fogem para a Galiza, incluindo o padre Domingos. E novamente é julgado à revelia e condenado a mais 20 anos de prisão.
Em 1925 regressa em segredo a Portugal e à sua querida Cabeceiras de Basto. Resolve juntar-se à família e viver o resto dos seus dias sem guerras nem revoltas, apenas queria paz. Nunca passou um dia na prisão apesar de lhe terem destinado 40 anos!
A 25 de novembro de 1945 morre em Cabeceiras de Basto. Segundo testemunho familiar, na sacristia do Mosteiro de São Miguel de Refojos vestiram-lhe a batina e colocaram-lhe o cabeção, e foi enterrado vestido de padre. Na verdade, oficialmente nunca resignou, e toda a vida foi chamado de "padre". Quis a família que assim fosse também na eternidade...
As tentativas para repor a Monarquia também elas morreram. O rei D. Manuel II nunca quis voltar por meio de um golpe militar, nunca quis que a Monarquia fosse restaurada pela força. O seu profundo amor por Portugal não permitia que fosse de outra maneira. Queria que o povo se manifestasse... Queria que Portugal o quisesse de novo...
"Portugueses, unam-se pela Pátria: sejamos fortes e mostremos ao mundo e àqueles que nos seguem atentamente com cobiça, que Portugal há-de renascer ainda, numa era de grandeza e prosperidade. Pensemos no País, sem outras ideias do que a que devemos ter sempre presente: Nascemos Portugueses, queremos reviver as glórias passadas, queremos levantar bem alto o nome de Portugal, queremos viver e morrer Portugueses!(...) Manuel Rei."
Excerto da carta do rei D. Manuel II a Aires de Ornelas, 1919.
Pelas 11 horas da manhã após um golpe militar é hasteada a bandeira verde e vermelha nos Paços do Concelho de Lisboa e proclamada a República. À tarde, a família Real que se havia refugiado no Palácio de Mafra desloca-se para a praia da Ericeira, onde a bordo do iate real Amélia, parte para o forçado exílio, rumo a Gibraltar. Nele seguem o último rei de Portugal, D. Manuel II, a sua mãe a rainha D. Amélia, a sua avó a rainha D. Maria Pia e o seu tio o infante D. Afonso. Apenas D. Amélia voltaria a Portugal 35 anos depois! D. Manuel II voltaria antes, em 1932... Mas desta vez morto, com autorização de Salazar para ser sepultado no Panteão Real da Dinastia de Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.
No dia seguinte à implantação da República, muitos foram os que se tornaram de repente republicanos... Há que dançar conforme a música, já diz o ditado! No entanto apesar do novo regime ser aceite com relativa passividade, principalmente nas grandes cidades, muitas foram as tentativas para restaurar a Monarquia e perturbar os planos da República. E a encabeçar os agora chamados "revoltosos" e "realistas" estava o líder Paiva Couceiro. E no meio de tantos novos "fora-da-lei" estavam nada mais, nada menos do que muitos PADRES!
Os sacerdotes, que haviam jurado dedicar a sua vida a Deus e a bem do próximo, resolveram juntar-se em jeito de cruzada contra os novos infiéis e inimigos da Santa Religião, os republicanos! Amadurecidas no seio das Lojas Maçónicas e da Carbonária, já vinham de longe as intenções de mais uma vez quebrar a Igreja, que no final da monarquia dispunha de uma situação relativamente privilegiada, apesar de estar bastante subjugada ao Estado. E claro, assim que mudou o regime, os republicanos iniciaram a perseguição!
Não será pois de estranhar que muitos padres se recusem a seguir as imposições e os novos rumos republicanos, passando ora a lutar na sombra ora a despir as batinas e a pegar em armas.
Padre Domingos Pereira. Fotografia gentilmente cedida pela bisneta Fernanda Paula Pereira. |
E é aqui que entra o protagonista desta história, um padre que em 1911 já não o era, Domingos Pereira!
Mas recuemos uns bons anos atrás...
A 9 de agosto de 1862, às 9 horas da manhã, em Vilarinho de Negrões, freguesia de Negrões e concelho de Montalegre, nascia Domingos, filho dos lavradores António Pereira e Luísa Gonçalves Carreira. O seu padrinho foi o tio materno, João Albino Gonçalves Carreira, pároco de Refojos, em Cabeceiras de Basto. A longa tradição de haver vários sacerdotes na família materna ditou o destino de Domingos e do seu irmão Manuel, ao ingressarem no Seminário de Braga para seguirem a vida eclesiástica.
Em 1886, aos 24 anos, já era padre e por influência do tio foi para pároco de Outeiro, em Cabeceiras de Basto. O tio devia gostar de ter a família por perto, pois o irmão Manuel e José Maria também foram morar para lá. Manuel também se ordenou sacerdote e José Maria optou pela vida laica e tornou-se funcionário público.
Naquele tempo, não é que hoje em dia não aconteça, a religião misturava-se com a política, e o jovem padre Domingos era um fervoroso militante do partido Regenerador, um dos partidos do rotativismo da monarquia constitucional. Já o seu tio padre era da oposição, o partido Progressista... E este despique partidário não deu bons resultados! O tio tentou a toda a força que ele se tornasse militante do seu partido, pedindo até ajuda ao Arcebispo de Braga, D. Manuel Baptista da Cunha para o convencer. Mas a ameaça velada de o desterrar para a paróquia isolada de Lamares, em Vila Real não o fez vergar! Naquele momento o padre Domingos bate o pé e prefere deixar de ser padre, já que a vocação não seria muita, a trair os seus ideais terrenos. Venceu a política!
Valentina da Conceição Sousa (1871-1954) Fotografia gentilmente cedida pelo bisneto António Franco. |
E quebrados os votos sacerdotais, apesar de nunca os ter resignado oficialmente, são também quebrados os votos de celibato! O padre Domingos passa a viver maritalmente com Valentina da Conceição Sousa, natural de Pedraça, em Cabeceiras de Basto, e afilhada de Manuel Joaquim Rebelo de Sousa, bisavô do atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, segundo testemunho familiar, Valentina pertenceria também a esta família. Curiosas estas ligações indiretas e improváveis entre pessoas ligadas à Monarquia e à República! E sucedem-se os filhos... Bem, dois já eram nascidos desta relação, uma rapariga Clotilde e um rapaz, o José. Depois vieram mais duas raparigas, a Júlia e a Laura e dois rapazes, o Alberto e o Carlos.
Mas a calma da sua nova vida civil é quebrada com o implantação da República. Nunca poderia aceitar tal regime, era monárquico convicto e apesar de já não exercer o sacerdócio era crente e reconhecia os duros golpes que estavam a ser infligidos contra a Santa Religião. E assim tornou-se um dos muitos resistentes!
Mas voltemos ao protagonista, o padre Domingos... A sua fama de resistente monárquico havia levado a que Paiva Couceiro, que ainda não o conhecia pessoalmente, o contactasse pedindo a sua colaboração com 400 homens para uma 2ª incursão que estava a ser preparada para o inicio de julho. O padre Domingos aceitou logo... Deveria comandar a invasão em Cabeceiras de Basto.
A ideia de Paiva Couceiro era tomar Valença e Chaves e esperar que a revolta se alastrasse como um rastilho por todo o norte, tido como monárquico, principalmente as zonas mais rurais que ao longo dos anos tinham estado debaixo do sagrado manto da Igreja devido à influência dos padres nas suas aldeias. A invasão passaria a fronteira por Vila Verde da Raia, visto que estavam exilados na Galiza. Tinham de avançar depressa pois o governo espanhol havia lhes dado um ultimato, ou avançavam com a revolta ou eram expulsos do país. Espanha tinha uma posição dúbia, por um lado apoiava os monárquicos portugueses, porque tinham como soberano um rei, Afonso XIII, e por outro queria ser neutra para não entrar em conflito diplomático com o novo governo republicano português.
João Augusto Mendonça Barreto, Administrador do Concelho de Cabeceiras de Basto. In Ilustração Portuguesa nº 335, 22 julho de 1912. |
Os padres da região uniram-se! O padre Domingos tinha o apoio dos párocos de Riodouro, o padre António Barroso Leite, de Painzela, o padre José Pina, e de Bucos, o abade Manuel Leite Araújo. Este último escondia até dezenas de espingardas Mauser atrás do altar-mor!
A frente da bandeira monárquica hasteada nos Paços do Concelho de Celorico de Basto. In Ilustração Portuguesa nº 337, 5 de agosto de 1912. |
Regimento de Infantaria 16 em frente ao Mosteiro de São Miguel de Refojos, em Cabeceiras de Basto, julho de 1912. In Reimaginar Guimarães, Coleção de Fotografia da Muralha. |
Finalmente no dia 7 de julho, num soalheiro e quente domingo, perante uma multidão o padre Domingos proclama a monarquia hasteando a real bandeira nos Paços do Concelho de Cabeceiras de Basto.
Durante 4 dias a vila esteve nas mãos dos padres "revoltosos" repelindo as tentativas das tropas republicanas para retomar o controlo do poder.
Os soldados e alguns populares, como retaliação decidem incendiar a casa do padre Domingos e do irmão, o padre Manuel, no lugar da Raposeira. A mulher e os filhos ao verem as tropas a aproximarem-se fogem e escondem-se nos campos. Ao longe vêem as altas labaredas e os uivos desesperados dos seus cães a serem consumidos pelas chamas. Não houve clemência! A família escapou andado fugida durante dois dias e duas noites, dormindo ao relento onde calhava. Alberto, o filho mais novo do padre, tinha apenas um ano...
Mas os incendiários não pararam por aqui. Queimaram ainda a casa do secretário do padre Domingos, em S. Nicolau, a capela do cemitério e a casa de um comerciante que havia supostamente envenenado o vinho que as tropas republicanas beberam! Na verdade as tropas assaltaram a taberna, pois ninguém na vila lhes dava mantimentos, e eles "de língua de fora" devido ao bacalhau salgado das suas provisões, resolveram matar a sede na pipa que fora envenenada antes da sua chegada!
Tribunal Marcial de Cabeceiras de Basto, onde foram julgados os "revoltosos" entre julho e setembro de 1912. In Ilustração Portuguesa nº 338, 12 agosto de 1912. |
Foram detidas 45 pessoas, alegadamente conspiradores e revoltosos. As casas dos simpatizantes monárquicos foram invadidas e destruído o mobiliário. Os conspiradores são levados a tribunal de guerra. O padre Domingos é julgado à revelia e condenado a 20 anos de prisão.
Partida do paquete Tucuman de Lisboa com destino ao Brasil. Nele partiram o padre Domingos e mais 50 exilados. Clichés de Joshua Benoliel. In Ilustração Portuguesa nº 343, 16 de setembro de 1912. |
Em 1919 dá-se a 3º incursão monárquica que levou à "Monarquia do Norte" proclamada a 19 de janeiro. O padre Domingos, como não podia deixar de ser, adere à revolta e ajuda a tomar Vila Real, hasteando a bandeira azul e branca a 25 de janeiro. Mas foi "sol de pouca dura" e falhou mais uma vez! Os monárquicos novamente fogem para a Galiza, incluindo o padre Domingos. E novamente é julgado à revelia e condenado a mais 20 anos de prisão.
Padre Domingos Pereira. Fotografia gentilmente cedida pelo bisneto António Franco. |
A 25 de novembro de 1945 morre em Cabeceiras de Basto. Segundo testemunho familiar, na sacristia do Mosteiro de São Miguel de Refojos vestiram-lhe a batina e colocaram-lhe o cabeção, e foi enterrado vestido de padre. Na verdade, oficialmente nunca resignou, e toda a vida foi chamado de "padre". Quis a família que assim fosse também na eternidade...
As tentativas para repor a Monarquia também elas morreram. O rei D. Manuel II nunca quis voltar por meio de um golpe militar, nunca quis que a Monarquia fosse restaurada pela força. O seu profundo amor por Portugal não permitia que fosse de outra maneira. Queria que o povo se manifestasse... Queria que Portugal o quisesse de novo...
"Portugueses, unam-se pela Pátria: sejamos fortes e mostremos ao mundo e àqueles que nos seguem atentamente com cobiça, que Portugal há-de renascer ainda, numa era de grandeza e prosperidade. Pensemos no País, sem outras ideias do que a que devemos ter sempre presente: Nascemos Portugueses, queremos reviver as glórias passadas, queremos levantar bem alto o nome de Portugal, queremos viver e morrer Portugueses!(...) Manuel Rei."
Excerto da carta do rei D. Manuel II a Aires de Ornelas, 1919.
97 ANOS DEPOIS, NUNCA ESTAS PALAVRAS ESTIVERAM TÃO ATUAIS...
Gravação onde surge a família Real no exílio, nomeadamente D. Manuel II, a sua mãe a rainha D. Amélia, e a sua mulher D. Augusta Victória, durante uma entrega de prémios de uma corrida de carruagens em Richmond, Inglaterra.
Video da British Pathé, Richmond Royal Horse Show, 1920. In https://www.youtube.com/watch?v=vuaTG8b3N_k
Agradecimentos especiais:
Aos bisnetos do padre Domingos Pereira, Fernanda Paula Pereira e António Alberto Franco;
A Maria Fernanda Campos Carneiro, uma apaixonada sobre o assunto Incursões Monárquicas e Padre Domingos Pereira.
Aos bisnetos do padre Domingos Pereira, Fernanda Paula Pereira e António Alberto Franco;
A Maria Fernanda Campos Carneiro, uma apaixonada sobre o assunto Incursões Monárquicas e Padre Domingos Pereira.